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PortuguêsNoções gerais de compreensão e interpretação de texto (5)


EXERCÍCIOS - Exercício 396

  • (FCC 2014)

Ao cabo de uma palestra, perguntaram-me se concordo com a tese de que só é possível filosofar em alemão. Não foi a primeira vez. Essa questão se popularizou a partir de versos da canção “Língua”, de Caetano Veloso (“Está provado que só é possível filosofar em alemão”).

Ocorre que os versos que se encontram no interior de uma canção não estão necessariamente afirmando aquilo que afirmariam fora do poema. O verso em questão possui carga irônica e provocativa: tanto mais quanto a afirmação é geralmente atribuída a Heidegger, filósofo cujo tema precípuo é o ser. Ora, logo no início de “Língua”, um verso (“Gosto de ser e de estar”) explora um privilégio poético-filosófico da língua portuguesa, que é a distinção entre ser e estar: privilégio não compartilhado pela língua alemã. Mas consideremos a tese de Heidegger. Para ele, a língua do pensamento por excelência é a alemã. Essa pretensão tem uma história. Os pensadores românticos da Alemanha inventaram a superioridade filosófica do seu idioma porque foram assombrados pela presunção, que lhes era opressiva, da superioridade do latim e do francês.

O latim foi a língua da filosofia e da ciência na Europa desde o Império Romano até a segunda metade do século XVIII, enquanto o alemão era considerado uma língua bárbara. Entre os séculos XVII e XVIII, a França dominou culturalmente a Europa. Paris foi a nova Roma e o francês o novo latim. Não admira que os intelectuais alemães − de origem burguesa − tenham reagido violentamente contra o culto que a aristocracia do seu país dedicava a tudo o que era francês e o concomitante desprezo que reservava a tudo o que era alemão. Para eles, já que a França se portava como a herdeira de Roma, a Alemanha se identificaria com a Grécia. Se o léxico francês era descendente do latino, a morfologia e a sintaxe alemãs teriam afinidades com as gregas. Se modernamente o francês posava de língua da civilização universal, é que eram superficiais a civilização e a universalidade; o alemão seria, ao contrário, a língua da particularidade germânica: autêntica, profunda, e o equivalente moderno do grego.

Levando isso em conta, estranha-se menos o fato de que Heidegger tenha sido capaz de querer crer que a superficialidade que atribui ao pensamento ocidental moderno tenha começado com a tradução dos termos filosóficos gregos para o latim; ou de afirmar que os franceses só consigam começar a pensar quando aprendem alemão.

Estranho é que haja franceses ou brasileiros que acreditem nesses mitos germânicos, quando falam idiomas derivados da língua latina, cujo vocabulário é rico de 2000 anos de filosofia, e que tinha − ela sim − enorme afinidade com a língua grega.

(CICERO, A. A filosofia e a língua alemã. In: F. de São Paulo . Disponível em: www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustradi/fq0505200726. htm. Acesso em: 08/06/2014)


Depreende-se corretamente do contexto:


A) O domínio cultural da burguesia francesa sobre a aristocracia alemã afetou o modo como a própria língua alemã passou a ser percebida pelos europeus: muitos julgaram-na, injustamente, uma língua “bárbara”.

B) As semelhanças entre as línguas alemã e grega foram usadas, no romantismo alemão, como argumento para rebater a ideia, dominante no país, de que a cultura romana, hegemônica, era superior à alemã.

C) A suposta primazia da língua alemã foi forjada por pensadores do romantismo alemão, visto que a no- ção de que o latim e o francês seriam línguas superiores os oprimia e intimidava.

D) O Romantismo tal como se deu na Alemanha, ao contrário da corrente francesa, buscava explicar o declínio da civilização moderna a partir dos mitos germânicos fundamentais, que remontam aos dos gregos.

E) O fato de que a superficialidade do pensamento ocidental, em oposição à profundidade dos antigos, começa com a tradução de termos filosóficos para o francês corrobora o que se afirma na canção citada.


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