PortuguêsNoções gerais de compreensão e interpretação de texto
- (IBGP 2018)
As ciências sociais e o inglês
O inglês é a língua da ciência. As razões para isso estão relacionadas às profundas transformações que ocorreram
no pós-Guerra. A ciência e a tecnologia, que até então evoluíam em esferas relativamente separadas de conhecimento,
se integram num único sistema. [...] As tecnologias pressupõem um investimento contínuo de capital, a formação de
quadros especializados e a constituição de laboratórios de pesquisa. No início, isso se concentra nos Estados Unidos,
pois quando termina a Segunda Guerra Mundial, trata-se do único país industrializado onde a infraestrutura educacional
e tecnológica permanece intacta. Com a expansão do ensino superior e o desenvolvimento dos institutos de pesquisa,
assiste-se a um florescimento científico sem precedentes, aliado a uma política tecnológica na qual as criações científicas
estão vinculadas às descobertas e ao aperfeiçoamento das técnicas. A história do computador é um bom exemplo do
imbricamento das dimensões econômica, militar e científica num mesmo projeto. Como processador de dados e
informações, irá impulsionar todo um campo de atividades, desde as experiências de laboratório até a administração das
empresas (cujo raio de ação é, muitas vezes, transnacional). Ciência, tecnologia e administração – esferas diferenciadas
de práticas e saberes – aproximam-se assim como unidades que se alimentam e se reproduzem a partir da manipulação,
do controle e do processamento da informação. Creio que não seria exagero dizer que os elementos-chave do que
entendemos por sociedade de informação foram inicialmente preparados em inglês (conceitos, modelos, fórmulas e
procedimentos).
Não se deve imaginar que toda a produção científica, ou mesmo a sua maioria, se faça em inglês. Embora não
existam dados disponíveis em escala mundial, pode-se argumentar, e com boa parte de razão, que a literatura científica
em língua não inglesa tenha aumentado. Basta ver a proliferação de revistas nos mais diferentes países e a participação
dos cientistas em reuniões e congressos especializados. No entanto, como sublinha Baldauf, sua representação na
literatura recenseada nas principais bases de dados declinou. [...] Grande parte do que é produzido é simplesmente
ignorado pelo fato de não estar formalizado e formatado em informação imediatamente disponível, ou seja,
compreensível para um conjunto amplo de pessoas. [...] Entretanto, importa entender que um corpus literário,
funcionando como padrão de referência, é legitimado mundialmente somente quando disponível em inglês. Daí a
estratégia de vários grupos de dividir suas atividades em “locais” e “universais”. As primeiras são escritas em idioma
nacional e têm como veículo as revistas existentes no país; as outras concentram os cientistas de “elite”, cuja ambição é
conseguir uma maior visibilidade na cena mundial; interessa-lhes publicar nas revistas internacionais já consagradas.
[...]
Barthes (1984, p.15) diz que, para a ciência, “a linguagem é apenas um instrumento, aprisionado à matéria
científica (operações, hipóteses, resultados) que se diz, a antecede e existe fora dela, e que se tem o interesse de tornála
o mais transparente e neutra possível: há, de um lado, num primeiro plano, o conteúdo da mensagem científica, que é
tudo; de outro, num segundo plano, a forma verbal, que exprime esse conteúdo e que é nada […]. A ciência tem
certamente necessidade da linguagem, mas ela não está, como a literatura, na linguagem”. É preciso ter em mente que a
qualidade de ser instrumental não deve ser vista como algo negativo. Trata-se de uma opção deliberada em utilizar a
linguagem como uma ferramenta, cujo resultado é altamente compensador – o discurso científico. Resulta disso o amplo
consenso (embora sem unanimidade) existente entre os cientistas em relação ao uso do inglês, qual seja, o fato de ele
ser instrumental e eficiente. Mas qual seria a razão dessa instrumentalidade?
Richard Harris e Paul Mattick, trabalhando com as propriedades da linguagem e sua relação com a informação,
têm um argumento interessante. Consideram que cada domínio científico utiliza a linguagem de maneira limitada, por
isso é mais fácil traduzir textos científicos do que literários. Isso significa que a informação provida na mensagem é
dada não apenas pelo significado individual das palavras, mas também pela relação entre elas, sua combinação. Por
exemplo, podemos enunciar as sentenças “para mim, é preferível sair por último” e “eu prefiro sair por último”; há aí
uma variação da forma, mas não da informação transmitida. [...]
As ciências sociais estão demasiadamente amarradas aos contextos, daí a dificuldade de universalização de seus
discursos, porém, essa universalização nunca é inteira, emancipada, pois as notações se encontram aprisionadas à
“literalidade dos enunciados”. O pensamento sociológico é sempre uma tradução, algo intermediário entre o ideal de
universalidade (que é necessário) e o enraizamento dos fenômenos sociais. Ora, contexto e língua conjugam-se
mutuamente. O discurso das ciências da natureza se justifica porque consegue reduzir a linguagem, depurá-la de sua
malha sociocultural, algo impensável quando se deseja compreender a sociedade. Nesse caso, o inglês não pode
funcionar como língua franca, não por uma questão de princípio, ou de orgulho nacional, mas devido à própria natureza
do saber construído.
ORTIZ, Renato. As Ciências Sociais e o inglês. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 19, n. 54, fev/2004. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092004000100001&lng=en&nrm=iso&tlng=pt .
O crescimento da produção científica em outras línguas - que não o inglês - relaciona-se:
A) À atual política dos países norte-americanos e ao desprestígio da língua inglesa no cenário científico e tecnológico internacional.
B) Ao declínio da representação de publicações nessas línguas na literatura recenseada nas principais bases de dados.
C) Ao desinteresse dos editores de revistas de diferentes países em adotar um padrão de referência legitimado mundialmente.
D) Ao enfraquecimento do papel desempenhado pela língua inglesa tanto no meio acadêmico quanto no científico e no tecnológico.
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