PortuguêsNoções gerais de compreensão e interpretação de texto (6)
- (FCC 2014)
Ao cabo de uma palestra, perguntaram-me se concordo com a tese de que só é possível filosofar em alemão. Não foi a primeira vez. Essa questão se popularizou a partir de versos da canção “Língua”, de Caetano Veloso (“Está provado que só é possível filosofar em alemão”).
Ocorre que os versos que se encontram no interior de uma canção não estão necessariamente afirmando aquilo que afirmariam fora do poema. O verso em questão possui carga irônica e provocativa: tanto mais quanto a afirmação é geralmente atribuída a Heidegger, filósofo cujo tema precípuo é o ser. Ora, logo no início de “Língua”, um verso (“Gosto de ser e de estar”) explora um privilégio poético-filosófico da língua portuguesa, que é a distinção entre ser e estar: privilégio não compartilhado pela língua alemã. Mas consideremos a tese de Heidegger. Para ele, a língua do pensamento por excelência é a alemã. Essa pretensão tem uma história. Os pensadores românticos da Alemanha inventaram a superioridade filosófica do seu idioma porque foram assombrados pela presunção, que lhes era opressiva, da superioridade do latim e do francês.
O latim foi a língua da filosofia e da ciência na Europa desde o Império Romano até a segunda metade do século XVIII, enquanto o alemão era considerado uma língua bárbara. Entre os séculos XVII e XVIII, a França dominou culturalmente a Europa. Paris foi a nova Roma e o francês o novo latim. Não admira que os intelectuais alemães − de origem burguesa − tenham reagido violentamente contra o culto que a aristocracia do seu país dedicava a tudo o que era francês e o concomitante desprezo que reservava a tudo o que era alemão. Para eles, já que a França se portava como a herdeira de Roma, a Alemanha se identificaria com a Grécia. Se o léxico francês era descendente do latino, a morfologia e a sintaxe alemãs teriam afinidades com as gregas. Se modernamente o francês posava de língua da civilização universal, é que eram superficiais a civilização e a universalidade; o alemão seria, ao contrário, a língua da particularidade germânica: autêntica, profunda, e o equivalente moderno do grego.
Levando isso em conta, estranha-se menos o fato de que Heidegger tenha sido capaz de querer crer que a superficialidade que atribui ao pensamento ocidental moderno tenha começado com a tradução dos termos filosóficos gregos para o latim; ou de afirmar que os franceses só consigam começar a pensar quando aprendem alemão.
Estranho é que haja franceses ou brasileiros que acreditem nesses mitos germânicos, quando falam idiomas derivados da língua latina, cujo vocabulário é rico de 2000 anos de filosofia, e que tinha − ela sim − enorme afinidade com a língua grega.
(CICERO, A. A filosofia e a língua alemã. In: F. de São Paulo . Disponível em: www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustradi/fq0505200726. htm. Acesso em: 08/06/2014)
Considerando-se o contexto, mantêm-se as relações de sentido estabelecidas pelo texto no que se afirma em:
A) Segundo a tese de Heidegger, os pensadores românticos da Alemanha exploraram a superioridade filosófica do seu idioma, apesar de terem sido assombrados pela presunção de superioridade do francês, que se considerava, erroneamente, a língua do pensamento por excelência.
B) A despeito de, entre os séculos XVII e XVIII, disseminar-se a ideia de que o alemão era uma língua inadequada para representar a civilização moderna, a França domina culturalmente a Europa, Paris se torna a nova Roma, e o francês, por conseguinte, o novo latim.
C) Porquanto o francês tenha sido eleito como a língua da civilização universal, o alemão − equivalente moderno do grego − reteve em si os traços distintivos da particularidade germânica, cuja autenticidade vai de encontro à superficialidade dos tempos modernos.
D) Depreende-se que o verso “Gosto de ser e de estar”, do início da canção “Língua”, possui carga irônica e provocativa, visto que, embora o tema precípuo de Heidegger seja o conceito do “ser”, explora um privilégio poético-filosófico da língua portuguesa.
E) Uma vez que o francês e o português são idiomas derivados da língua latina, cuja afinidade com a língua grega era enorme, estranha-se que haja franceses ou brasileiros que acreditem em mitos como o de que os franceses só conseguem começar a pensar quando aprendem alemão.
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