PortuguêsInterpretação de textos
- (FCC 2018)
Uma amiga me disse que em alguns cursos da Universidade de Princeton o celular e o tablet foram proibidos porque os estudantes filmavam e fotografavam as aulas, ou simplesmente brincavam com joguinhos eletrônicos. A proibição do uso de aparelhos eletrônicos em sala de aula numa das maiores universidades dos Estados Unidos não é desprezível. O celular na palma da mão desconcentra o estudante e abole uma prática antiga: a caligrafia.
Dos milenares hieróglifos egípcios gravados em pedra e palavras escritas em pergaminho à mais recente prescrição médica, a caligrafia tem uma longa história. Mas essa história − que marca uma forte relação da palavra com o gesto da mão − parece fenecer com o advento do minúsculo teclado e sua tela.
Lembro uma entrevista com Roland Barthes, em que o crítico francês dizia que as correções das provas tipográficas dos romances de Balzac pareciam fogos de artifícios. É uma bela imagem do efeito estético da caligrafia no papel impresso. Quando pude ver essas páginas numa exposição de manuscritos, fiquei impressionado com a metáfora precisa de Barthes, e admirado com a obsessão de Balzac em acrescentar, cortar e substituir palavras e frases, e alterar a pontuação. O autor de Ilusões Perdidas não poupava esforço para alcançar o que desejava expressar, e esse empenho tão grande acabou por exauri-lo quando escrevia seu último romance.
Mas há beleza também na caligrafia torta e hesitante de uma criança, numa carta de amor escrita a lápis, na mensagem pintada à mão no para-choque de um caminhão, no muro grafitado da cidade poluída.
Num de seus poemas memoráveis, “O Sobrevivente”, Carlos Drummond de Andrade escreveu à mão e depois datilografou: “Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples. / Se você quer fumar um charuto aperte um botão”.
Na mão que move a escrita há um gesto corporal atávico, um desejo da nossa ancestralidade, que a maquininha subtrai, ou até mesmo anula. Ainda escrevo alguns textos à mão, antes de digitá-los no computador. No trabalho diário de um jornalista, isso é quase impossível, mas na escrita de uma crônica, pego a caneta e o papel e exercito minha pobre caligrafia.
Talvez eu seja o antepenúltimo dinossauro. Mal escrevo essa palavra, vejo um dos minúsculos seres que se originaram de um dinossauro emplumado. É um pássaro que desconheço; pousou num galho do manacá florido, e seu canto misterioso me remete ao livro A Linguagem dos Pássaros, escrito no século 12 pelo poeta persa Farid Ud-din Attar. Nele, a caligrafia é sinônimo de “beleza da escrita, linguagem da mão e nobreza do sentimento” .
(Adaptado de: Milton Hatoum. Disponível em: cultura.estadao.com.br )
O autor do texto
A) apresenta teorias pedagógicas alinhadas com o combate do uso de máquinas na sala de aula, especialmente na universidade, e fomentar a prática de escrita manual.
B) enaltece o uso estético da caligrafia de frases trabalhadas por grandes escritores, como Balzac, ao passo que desmerece a caligrafia de uma criança, ainda por aprender.
C) valoriza o uso da palavra escrita à mão, ainda que seja num muro ou para-choque de caminhão, pois evoca um legado das gerações passadas.
D) destaca a contribuição do pensamento de um poeta persa do século 12 para a compreensão da importância da caligrafia nos dias atuais.
E) contesta os preceitos contidos nos versos de um poema de Drummond, que rejeita o uso de máquinas complexas para executar tarefas simples.
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