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EXERCÍCIOS - Exercício 494

  • (UTFPR 2017)

A CARNE

Temos, ai de nós, uma Polícia Federal satírica. Não sei se existe alguém na PF encarregado de dar codinomes aos seus investigados e nomes às suas operações. Se tiver, é um novo Jonathan Swift, um Voltaire redivivo . Deveria se identificar, para receber nossos aplausos. Essa de chamar de Carne Fraca a operação contra a corrupção nos frigoríficos e o escândalo dos fiscais da indústria de alimentos que recebiam propina para não fiscalizar nada é genial. A ação poderia se chamar Carne Podre, ou Nome aos Bois, mas aí não teria o mesmo valor literário e irônico. Carne Fraca é perfeito. Serviria mesmo para todo o conjunto das ações policiais e jurídicas a partir do começo da Lava Jato.

A corrupção existe, afinal, porque a carne é fraca. Como disse o Oscar Wilde – outro que teria emprego garantido como frasista na Polícia Federal –, “eu resisto a tudo menos à tentação”. A tentação é demais. Somos pobres almas inocentes reféns da nossa própria carne e das suas fraquezas. De certa maneira, Carne Fraca é quase uma absolvição da corrupção epidêmica que assola o país. Rouba-se tanto porque a carne não se satisfaz com pouco, é incapaz de se contentar com o que já tem. Porque a carne é insaciável .

Nenhum corrupto racionaliza a sua fome de ter mais, sempre mais. Nenhum decide: quero tanto e chega. Tenho um Lanborghini e dois Porsches, um para cada pé, piscina aquecida em forma de trevo, uma mulher com menos dedos e orelhas do que o necessário para usar todas as joias que lhe dou, contas na Suíça e em Liechtenstein, apartamento em Palm Beach – e pronto. Não preciso de nem um centavo a mais.

O centavo a mais é a perdição dos nossos corruptos. O centavo a mais é a tentação irresistível de Wilde resumida numa frase. O centavo a mais é uma metáfora para o excesso., para não saber quando parar. É difícil identificar o momento em que a ganância transborda e o centavo a mais bate na porta do corrupto e o leva coercitivamente para a cadeia, o corte zero do seu cabelo, as manchetes dos jornais e a execração pública. É um pouco como o paradoxo do balão: só se descobre a capacidade máxima de um balão, o ponto em que um sopro a mais o estouraria, quando o sopro a mais é dado e ele estoura. Só se descobre quando era o momento de parar de roubar quando o momento já passou.

“Carne Fraca” tem algo até de carinhoso, na sua ironia. A Polícia Federal, ou o autor do nome da operação, reconhece que não é fácil deixar de roubar, com tanto dinheiro voando por aí, com tantas oportunidades que o Brasil oferece para a maracutaia e o molha a mão. O que Carne Fraca diz é que a Polícia Federal não perdoa, mas entende.

VERÍSSIMO, Luis Fernando. A carne. Gazeta do Povo, Curitiba, p. 14. 23 março 2017.


Assinale a alternativa correta, segundo o texto.


A) A corrupção existe porque o corrupto apenas aproveita as muitas oportunidades que tem e acumula mais e mais riquezas.

B) O problema da corrupção existe, porque a carne é fraca e insaciável e, além disso, a tentação é demasiada.

C) Se os corruptos racionalizassem sua ganância, não haveria o metafórico “centavo a mais” e poderiam ser perdoados, além de entendidos pela Polícia Federal.

D) A Polícia Federal reconhece que não é fácil deixar de roubar, até porque se um não roubar outro o fará.

E) O paradoxo do balão explica a capacidade, na frase de Oscar Wilde, de resistir a tudo menos à tentação.


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