PortuguêsNoções gerais de compreensão e interpretação de texto (7)
- (VUNESP 2013)
Tomadas e oboés
“O do meio, com heliponto, tá vendo?", diz o taxista, apontando o enorme prédio espelhado, do outro lado da marginal: “A parte elétrica, inteirinha, meu cunhado que fez". Ficamos admirando o edifício parcialmente iluminado ao cair da tarde e penso menos no tamanho da empreitada do que em nossa variegada humanidade: uns se dedicam à escrita, outros a instalações elétricas, lembro-me do meu tio Augusto, que vive de tocar oboé. “Fio, disjuntor, tomada, tudo!", insiste o motorista, com tanto orgulho que chega a contaminar-me.
Pergunto quantas tomadas ele acha que tem, no prédio todo. Há quem ria desse tipo de indagação. Meu taxista, não. É um homem sério, eu também, fazemos as contas: uns dez escritórios por andar, cada um com umas seis salas, vezes 30 andares. “Cada sala tem o quê? Duas tomadas?"
“Cê tá louco! Muito mais! Hoje em dia, com computador, essas coisas? Depois eu pergunto pro meu cunhado, mas pode botar aí pra uma média de seis tomadas/sala."
Ok: 10 x 6 x 6 x 30 = 10.800. Dez mil e oitocentas tomadas! Há 30, 40 anos, uma hora dessas, a maior parte das tomadas já estaria dormindo o sono dos justos, mas a julgar pelo número de janelas acesas, enquanto volto para casa, lentamente, pela marginal, centenas de trabalhadores suam a camisa, ali no prédio: criam logotipos, calculam custos para o escoamento da soja, negociam minério de ferro. Talvez até, quem sabe, deitado num sofá, um homem escute em seu iPod as notas de um oboé.
Alegra-me pensar nesse sujeito de
olhos fechados, ouvindo música. Bom saber que, na correria geral, em meio a
tantos profissionais que acreditam estar diretamente envolvidos no movimento de
rotação da Terra, esse aí reservou-se cinco minutos de contemplação.
Está tarde, contudo. Algo não fecha: por que segue no escritório, esse homem? Por que não voltou para a mulher e os filhos, não foi para o chope ou o cinema? O homem no sofá, entendo agora, está ainda mais afundado do que os outros. O momento oboé era apenas uma pausa para repor as energias, logo mais voltará à sua mesa e a seus logotipos, à soja ou ao minério de ferro.
“Onze mil, cento e cinquenta", diz o taxista, me mostrando o celular. Não entendo. “É o SMS do meu cunhado: 11.150 tomadas."
Olho o prédio mais uma vez, admirado com a instalação elétrica e nossa heteróclita humanidade, enquanto seguimos, feito cágados, pela marginal.
(Antonio Prata, Folha de S.Paulo, 06.03.2013. Adaptado)
Alegra-me pensar nesse sujeito de
olhos fechados, ouvindo música. Bom saber que, na correria geral, em meio a
tantos profissionais que acreditam estar diretamente envolvidos no movimento de
rotação da Terra, esse aí reservou-se cinco minutos de contemplação.
No primeiro parágrafo, ao apreciar o edifício apontado pelo taxista, o pensamento a que o narrador dá mais importância refere-se
A) à diversidade de atividades às quais os homens se de dicam.
B) ao progresso tecnológico que avança de modo acelerado
C) ao espírito tão pragmático do homem moderno que chega a ser doentio.
D) à enorme quantia de dinheiro investido na construção do edifício.
E) ao materialismo dos homens que trabalham exclusivamente por dinheiro.
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