PortuguêsNoções gerais de compreensão e interpretação de texto (6)
- (FCC 2013)
Atenção: As questões de números 1 a 8 referem-se ao texto seguinte.
Vista cansada
Acho que foi Hemingway quem disse que olhava cada coisa à sua volta como se a visse pela última vez. Essa ideia de olhar pela última vez tem algo de deprimente. Olhar de despedida, de quem não crê que a vida continua, não admira que Hemingway tenha acabado como acabou. Fugiu enquanto pôde do desespero que o roía − e daquele tiro brutal que acabou dando em si mesmo.
Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio.
Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que é que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê. Sei de um profissional que passou trinta e dois anos a fio pelo mesmo hall do prédio de seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom-dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer. Como era ele? Sua cara? Sua voz? Não fazia a mínima ideia. Em trinta e dois anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer.
O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos. Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz dever pela primeira vez o que, de tão visto, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia a dia, opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.
(Otto Lara Resende, Bom dia para nascer )
Deve-se entender o título do texto - Vista cansada - como uma alusão do autor ao fato de que
A) os pessimistas, como Hemingway, acreditam que nosso olhar para as coisas implica sempre uma visão de despedida da vida.
B) os poetas, ao contrário de Hemingway, pensam ver tudo como se estivessem sempre se revelando um mundo inteiramente original.
C) nós tendemos a deixar de ver as coisas porque mecanizamos nosso olhar, não distinguindo o que lhes é característico.
D) nós tendemos a reparar tão somente nos detalhes das coisas, perdendo o sentido da visão do conjunto a que se integram.
E) nós tendemos, com o tempo, a enfraquecer nossa visão das coisas pelo excesso de atenção que nos esforçamos para lhes dedicar.
Próximo:
EXERCÍCIOS - Exercício 462
Vamos para o Anterior: Exercício 460
Tente Este: Exercício 109
Primeiro: Exercício 1
VOLTAR ao índice: Português