PortuguêsNoções gerais de compreensão e interpretação de texto
- (FCC 2018)
Atenção : A questão refere-se ao texto que segue.
A vida privada não é uma realidade natural, dada desde a origem dos tempos: é uma realidade histórica. A história da vida privada é, em primeiro lugar, a história de sua definição: como evoluiu sua distinção na sociedade francesa do século XX? Como o domínio da vida privada variou em seu conteúdo e abrangência?
A questão é tanto mais importante na medida em que não é certo que seu contorno tenha o mesmo sentido em todos os meios sociais. Para a burguesia da Belle Époque 1 , não há nenhuma dúvida: o “muro da vida privada” separa claramente os domínios. Por trás desse muro protetor, a vida privada e a família coincidem com bastante exatidão. Esse domínio abrange as fortunas, a saúde, os costumes, a religião: se os pais que querem casar os filhos consultam o notário ou o pároco para “tomar informações” sobre a família de um eventual pretendente, é porque a família oculta cuidadosamente ao público o tio fracassado, o irmão de costumes dissolutos e o montante das rendas. E Jaurès 2 , respondendo a um deputado socialista que lhe censurava a comunhão solene da filha: “Meu caro colega, você sem dúvida faz o que quer de sua mulher, eu não”, marcava com grande precisão a fronteira entre sua existência de político e sua vida privada.
Essa separação era organizada por uma densa teia de prescrições. A baronesa Staffe 3 , por exemplo, cita: “Quanto menos relações mantemos com a vizinhança, mais merecemos a estima e consideração dos que nos cercam”, “não devemos falar de assuntos íntimos com os parentes ou amigos que viajam conosco na presença de desconhecidos”. O apartamento ou a casa burguesa, aliás, se caracterizam por uma nítida diferença entre as salas para as visitas e os demais aposentos. O lugar da família propriamente dita não é o salão: as crianças não entram no aposento quando há visitas e, como explica a baronesa, as fotos de família ficariam deslocadas nesse recinto. Ademais, as salas de visitas não são abertas a todos. Se toda dama da boa sociedade tem seu “dia” de receber − em 1907, são 178 em Nevers 4 −, a visita à esposa de um figurão supõe uma apresentação prévia. As salas de recepção estabelecem, portanto, um espaço de transição para a vida privada propriamente dita.
Obs.: 1 Período de cultura cosmopolita na história da Europa que vai de fins do século XIX até a eclosão da Primeira Guerra Mundial.
2 Jean Léon Jaurès (1859-1914): político socialista francês.
3 Pseudônimo de Blanche-Augustine-Angèle Soyer (1843-1911), autora francesa, célebre em seu tempo pela obra Uso do mundo , sobre como saber viver na sociedade moderna.
4 Região da França, ao sul-sudeste de Paris.
No processo argumentativo,
A) a consulta dos pais é mencionada porque constitui a causa de as famílias ocultarem cuidadosamente ao público fatos que poderiam ser considerados socialmente nocivos. (2 o parágrafo)
B) a resposta de Jaurès é citada para, na composição do painel da vida francesa, destacar que, já em fins do século XIX e começo do XX, havia críticas a políticos que usavam a vida particular para alavancar suas pretensões de homem público. (2 o parágrafo)
C) a presença do advérbio aliás sinaliza um oportuno acréscimo ao já dito acerca dos domínios da vida privada, agora demarcados pelo próprio espaço físico da burguesia francesa do século XX. (3 o parágrafo)
D) a menção a família propriamente dita delimita , no contexto do objeto focalizado, a referência a “aqueles que descendem de um casal”. (3 o parágrafo)
E) a alusão a notário ou pároco faz parte da caracterização da sociedade da Belle Époque, com o intuito de demonstrar que a eles cabia, respectivamente, a responsabilidade pelas fortunas e pela vida religiosa das famílias. (2 o parágrafo)
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