Procura

PortuguêsNoções gerais de compreensão e interpretação de texto (25)


EXERCÍCIOS - Exercício 54

  • (MetroCapital Soluções 2022)

Dez minutos de idade

Fernando Sabino

A enfermeira surgida de uma porta me impôs silêncio com o dedo junto aos lábios e mandou-me entrar. Estava nascendo! Era um menino.

Nem bonito nem feio; tem boca, orelhas, sexo e nariz no seu devido lugar, cinco dedos em cada mão e em cada pé. Realizou a grande temeridade de nascer, e saiu-se bem da empreitada. Já enfrentou dez minutos de vida. Ainda traz consigo, nos olhinhos esgazeados, um resto de eternidade.

Portanto, alegremo-nos. A vida também não é bonita nem feia. Tem bocas que murmuram preces, orelhas sábias no escutar, sexos que se contentam, perfumes vários para o nariz, mãos que se apertam, dedos que acariciam, múltiplos caminhos para os pés. É verdade que algumas palavras, melhor fora nunca dizê-las, outras nunca escutá-las. Olhos há que procuram ver o que não podem, alguns narizes se metem onde não devem. Há muito prazer insatisfeito, muito desejo vão. Mãos que se fecham. Pés que se atropelam. Mas o simples ato de nascer já pressupõe tudo isso, o primeiro ar que se respira já contém as impurezas do mundo. O primeiro vagido é um desafio. A vida aceitou um novo corpo e o batismo vai traçar-lhe um destino. A luta se inicia: mais um que será salvo. Portanto, alegremo-nos.

Menino sem nome ainda, não te prometo nada. Não sei se terás infância: brinquedos, quintal, monte de areia, fruta verde, casca de árvore, passarinho, porão de fantasmas, formigas em fila, beira de rio, galinha no choco, caco de vidro, pé machucado. O mundo de hoje, tal como o estou vendo da janela do meu apartamento, desconfio que te reserva para a infância um miraculoso aparelho eletrocosmogônico de brincar. Ou apenas uma eterna garrafa de Coca-Cola e um delicioso Chicabon.

Aceita, menino, esses inofensivos divertimentos. Leva-os a sério, com toda aquela seriedade grave da infância, chupa o Chicabon, bebe a Coca-Cola, desmonta e torna a montar a miraculosa máquina de brincar de nosso século que a imaginação de teu pai jamais poderia sequer conceber. Impõe a essas coisas e a essa vida que te oferecerão como infância a sofreguidão da tua boca, a ousadia de teus olhos e a força de tuas mãos. Imprime a tudo que tocares a alegria que me deste por nasceres. Qualquer que seja tua infância, conquista-a, que te abençoo. Dela te nascerá uma convicção. Conquista-a também – e vá viver, em meu nome.

Nada te posso dar senão um nome. Nada te posso dar. No teu primeiro instante de vida minha estrela não se apagou. Partiu-se em duas e lá no alto uma delas te espera, será tua. Nada te posso dar senão um nome e esta estrela. Se acreditares em estrela, vai buscá-la.

SABINO, Fernando. Dez minutos de idade. In: A mulher do vizinho . Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1962. p. 216-218. Disponível em:

https://cronicabrasileira.org.br/cronicas/13156/dez-minutos-de-idade . Acesso em: 08 abr. 2022.


Nessa crônica, nota-se que a paternidade é encarada pelo autor com


A) impaciência.

B) indignação.

C) sofreguidão.

D) indiferença.

E) satisfação.


Próximo:
EXERCÍCIOS - Exercício 55

Vamos para o Anterior: Exercício 53

Tente Este: Exercício 304

Primeiro: Exercício 1

VOLTAR ao índice: Português






Cadastre-se e ganhe o primeiro capítulo do livro.
+
((ts_substr_ig=0.00ms))((ts_substr_id=6.94ms))((ts_substr_m2=0.00ms))((ts_substr_p2=0.62ms))((ts_substr_c=0.95ms))((ts_substr_im=0.99ms))
((total= 10ms))