PortuguêsCoesão e coerência
- (FCC 2018)
Tomando resolutamente a sério as narrativas dos “selvagens”, a análise estrutural nos ensina, já há alguns anos, que tais narrativas são precisamente muito sérias e que nelas se articula um sistema de interrogações que elevam o pensamento mítico ao plano do pensamento propriamente dito. Sabendo a partir de agora, graças às Mitológicas , de Claude Lévi-Strauss, que os mitos não falam para nada dizerem, eles adquirem a nossos olhos um novo prestígio; e, certamente, investi-los assim de tal gravidade não é atribuir-lhes demasiada honra.
Talvez, entretanto, o interesse muito recente que suscitam os mitos corra o risco de nos levar a tomá-los muito “a sério” desta vez e, por assim dizer, a avaliar mal sua dimensão de pensamento. Se, em suma, deixássemos na sombra seus aspectos mais acentuados, veríamos difundir-se uma espécie de mitomania esquecida de um traço todavia comum a muitos mitos, e não exclusivo de sua gravidade: o seu humor.
Não menos sérios para os que narram (os índios, por exemplo) do que para os que os recolhem ou leem, os mitos podem, entretanto, desenvolver uma intensa impressão de cômico; eles desempenham às vezes a função explícita de divertir os ouvintes, de desencadear sua hilaridade. Se estamos preocupados em preservar integralmente a verdade dos mitos, não devemos subestimar o alcance real do riso que eles provocam e considerar que um mito pode ao mesmo tempo falar de coisas solenes e fazer rir aqueles que o escutam.
A vida cotidiana dos “primitivos”, apesar de sua dureza, não se desenvolve sempre sob o signo do esforço ou da inquietude; também eles sabem propiciar-se verdadeiros momentos de distensão, e seu senso agudo do ridículo os faz várias vezes caçoar de seus próprios temores. Ora, não raro essas culturas confiam a seus mitos a tarefa de distrair os homens, desdramatizando, de certa forma, sua existência.
Essas narrativas, ora burlescas, ora libertinas, mas nem por isso desprovidas de alguma poesia, são bem conhecidas de todos os membros da tribo, jovens e velhos; mas, quando eles têm vontade de rir realmente, pedem a algum velho versado no saber tradicional para contá-las mais uma vez. O efeito nunca se desmente: os sorrisos do início passam a cacarejos mal reprimidos, o riso explode em francas gargalhadas que acabam transformando-se em uivos de alegria.
(Adaptado de: CLASTRES, Pierre. A Sociedade contra o Estado . São Paulo, Ubu, 2017)
Quanto à coesão do texto, é correto afirmar que
A) é dada pela repetição do termo “mito”, seus derivados e sinônimos, como “mitomania”, “hilaridade”, “cacarejos” e “narrativas”.
B) se estabelece sobretudo pelo uso de pronomes e de termos que, embora de sentido diverso, têm uma mesma referência, como “selvagem”, “índio”, “primitivo”, “membro da tribo”.
C) é estruturada na oposição entre pensamento mítico e humor, por um lado, e na referenciação entre os segmentos textuais estabelecida principalmente pelos pronomes.
D) se articula a partir do uso de expressões adverbiais, como “certamente”, “mais uma vez”, “às vezes”, “a sério”, “talvez”, que ligam as estruturas sintáticas, intensificando seu sentido.
E) é construída mediante a pontuação expressiva e o uso dos verbos ora no pretérito, ora no presente do indicativo, a fim de indicar um percurso temporal no desenvolvimento da argumentação.
Próximo:
EXERCÍCIOS - Exercício 157
Vamos para o Anterior: Exercício 155
Tente Este: Exercício 377
Primeiro: Exercício 1
VOLTAR ao índice: Português