PortuguêsSignificação contextual de palavras e expressões. sinônimos e antônimos. (3)
- (FCC 2014)
Delicadezas colhidas com mão leve
Era sábado e estávamos os dois na redação vazia da revista. Esparramado na cadeira, Guilherme roía o que lhe restava das unhas, levantava-se, andava de um lado para outro, folheava um jornal velho, suspirava. Aí me veio com esta:
- Meu texto é melhor que eu.
A frase me fez rir, devolveu a alegria a meu amigo e poderia render uma discussão sobre quem era melhor, Guilherme Cunha Pinto ou o texto do Guilherme Cunha Pinto. Os que foram apenas leitores desse jornalista tão especial, morto já faz tempo, não teriam problema em escolher as matérias que ele assinava, que me enchiam de uma inveja benigna.
Inveja, por exemplo, da mão leve com que ele ia buscar e punha em palavras as coisas mais incorpóreas e delicadas. Não era com ele, definitivamente, a simplificação grosseira que o jornalismo tantas vezes se concede, com a desculpa dos espaços e horários curtos, e que acaba fazendo do mundo algo chapado, previsível, sem graça. Guilherme não aceitava ser um mero recolhedor de aspas, nas entrevistas, nem sair à rua para ajustar os fatos a uma pauta. Tinha a capacidade infelizmente rara de se deixar tocar pelas coisas e pessoas sobre as quais ia escrever, sem ideias prontas nem pé atrás. Pois gostava de coisas e de pessoas, e permitia que elas o surpreendessem. Olhava-as com amorosa curiosidade - donde os detalhes que faziam o singular encanto de suas matérias. O personagem mais batido se desdobrava em ângulos inéditos quando o repórter era ele. Com suavidade descia ao fundo da alma de seus entrevistados, sem jamais pendurá-los no pau de arara do jornalismo inquisitorial. Deu forma a textos memoráveis e produziu um título desde então citado e recitado nas redações paulistanas: “Picasso morreu, se é que Picasso morre”.
(Adaptado de: WERNECK Humberto. Esse inferno vai acabar .
Porto Alegre: Arquipélago, 2001. p.45 e 46)
Porto Alegre: Arquipélago, 2001. p.45 e 46)
A qualidade que o autor do texto ressalta em seu amigo e colega de redação Guilherme Cunha Pinto diz respeito.
A) à modéstia de um jornalista que sabia admitir o limite de suas virtudes profissionais, que nada tinham a ver com sua real personalidade.
B) ao modo como esse jornalista conduzia suas matérias, nas quais se reconheciam detalhes dos fatos analisados ou das pessoas entrevistadas.
C) ao estilo da linguagem desse jornalista, na qual despontavam os recursos de uma clássica elegância retórica, que passara a ser evitada nas redações.
D) às oscilações de humor do companheiro, marcadas ora pela extrema modéstia, ora pela euforia de quem reconhecia traços de genialidade em si mesmo.
E) aos cuidados que o companheiro demonstrava na condução de suas reportagens, marcadas pelo tom impessoal e por uma rigorosa objetividade.
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