PortuguêsSintaxe
- (FCC 2021)
Atenção: Considere a crônica de Machado de Assis, publicada em 09 de fevereiro 1896, para responder à questão.
Pessoa que já serviu na polícia secreta de Londres e de New York tem anunciado nos nossos diários que oferece os seus
préstimos para descobrir coisas furtadas ou perdidas. Não publica o nome; prova de que é realmente um ex-secreta* inglês ou
americano. A primeira ideia do ex-secreta local seria imprimir o nome, com indicação da residência. Não há ofício que não traga
louros, e os louros fizeram-se para os olhos dos homens. Não tenho perdido nada, nem por furto, nem por outra via; deixo de recorrer
aos préstimos do anunciante, mas aproveito esta coluna para recomendá-los aos meus amigos e leitores.
Pois que a fortuna trouxe às nossas plagas um perfeito conhecedor do ofício, erro é não aproveitá-lo. Não se perdem somente
objetos: perdem-se também vidas, nem sempre se sabe quem é que as leva. Ora, conquanto não se achem as vidas perdidas,
importa conhecer as causas da perda, quando escapam à ação da lei ou da autoridade. Não foi assassínio, mas suicídio, o dessa
Ambrosina Cananeia, que deixou a vida esta semana. Era uma pobre mulher trabalhadeira, com dois filhos adolescentes e mãe
valetudinária**; morava nos fundos de uma estalagem da rua da Providência. O filho era empregado, a filha aprendia a fazer flores...
Não sei se te lembras do acontecimento: tais são os casos de sangue destes dias que é natural vir o fastio e ir-se a memória. Pois fica
lembrado.
A causa do suicídio não foi a pobreza, ainda que a pessoa fosse pobre. Nem desprezo de homem, nem ciúmes. A carta
deixada dizia em começo: “Vou dar-te a última prova de amizade... É impossível mais tolerar a vida por tua causa; deixando eu de
existir, você deixa de sofrer.” Você é uma mocinha de dezesseis anos, vizinha, dizem que bonita, amiga da morta. Segundo a carta, a
mocinha era castigada por motivo daquela afeição, tudo de mistura com um casamento que lhe queriam impor.
O que é único, é esta amiga que se mata para que a outra não padeça. A outra era diariamente espancada, quase todos os
vizinhos o sabiam pelos gritos e pelo pranto da vítima − “tudo por causa da nova amizade”. Não podendo atalhar o mal da amiga,
Ambrosina buscou um veneno, meteu no seio as cartas da amiga e acabou com a vida em cinco minutos. “Adeus, Matilde; recebe o
meu último suspiro”.
Os tempos, desde a antiguidade, têm ouvido suspiros desses, mas não são últimos. Que a morte de uma trouxesse a da outra,
voluntária e terrível, não seria comum, mas confirmaria a amizade. As afeições grandes podem não suportar a viuvez. Quem eu
quisera ouvir sobre isto era o ex-secreta de Londres e de New York, onde a polícia pode ser que penetre além do delito e suas provas,
e passeie na alma da gente, como tu, por tua casa.
* secreta: agente secreto.
** valetudinário: que ou o que é de constituição física débil, doentia, sempre sujeito a enfermidades.
(Adaptado de: ASSIS, Machado de. Crônicas escolhidas . São Paulo: Companhia das Letras, 2013)
Em Ora, conquanto não se achem as vidas perdidas , importa conhecer as causas da perda, quando escapam à ação da lei ou da autoridade.(2° parágrafo), a oração sublinhada expressa, em relação à oração que a sucede, ideia de
A) proporção.
B) concessão.
C) condição.
D) consequência.
E) causa.
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