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PortuguêsInterpretação de textos (2)


EXERCÍCIOS - Exercício 102

  • (INSTITUTO AOCP 2017)

SOMOS OS MAIORES INIMIGOS DE NOSSA POSSIBILIDADE DE PENSAR

Contardo Calligaris

Um ano atrás, decidi seguir os conselhos de meu filho e abri uma conta no Facebook. A conta é no nome da cachorra pointer que foi minha grande companheira nos anos 1970 e funciona assim: ninguém sabe que é minha conta, não tenho amigos, não posto nada e não converso com ninguém. Uso o Face apenas para selecionar um “feed” de notícias, que são minha primeira leitura rápida de cada dia.

Meu plano era acordar e verificar imediatamente os editoriais e as chamadas dos jornais, sites, blogs que escolhi e, claro, percorrer a opinião de meus colunistas preferidos, nos EUA e na Europa. Alguns links eu abriria, mas sem usurpar excessivamente o tempo dedicado à leitura do jornal, que acontece depois, enquanto tomo meu café.

Tudo ótimo, no melhor dos mundos. Até o dia em que me dei conta do seguinte: sem que esta fosse minha intenção, eu tinha selecionado só a mídia que pensa como eu – ou quase. Meu dia começava excessivamente feliz, com a sensação de que eu vivia (até que enfim) na paz de um consenso universal.

Mesmo na minha juventude, eu nunca tinha conhecido um tamanho sentimento de unanimidade. Naquela época, eu lia “L’Unità” e, a cada dia, identificava-me com o editorial. Não havia propriamente colunistas: a linguagem usada no jornal inteiro já continha e propunha uma visão do mundo. Ora, junto com “L’Unità” eu sempre lia mais um jornal – o “Corriere della Sera”, se eu estivesse em Milão, o “Journal de Genève”, em Genebra, e o “Le Monde”, em Paris. Nesses segundos jornais, eu verificava os fatos (não dava para acreditar nem mesmo no lado da gente) e assim esbarrava nos colunistas – em geral laicos e independentes, sem posições partidárias ou religiosas definidas.

Em sua grande maioria, eles não escreviam para convencer o leitor: preferiam levantar dúvidas, inclusive neles mesmos. E era isso que eu apreciava.

Hoje, os colunistas desse tipo ainda existem, embora sejam poucos. Eles estão mais na imprensa tradicional; na internet, duvidar não é uma boa ideia, porque é preciso criar e alimentar os consensos do “feed” do Face.

O “feed” do Face, elogiado por muitos por ser uma espécie de jornal sob medida, transforma-se, para cada um, numa voz única, um jornal que apresenta apenas uma visão, piorado por uma falsa sensação de pluralidade (produzida pelo número de links).

A gente se queixa que a mídia estaria difundindo uma versão única e parcial de fatos e ideias, mas a realidade é pior: não são os conglomerados, somos nós que, ao confeccionar um jornal de nossas notícias preferidas, criamos nosso próprio isolamento e vivemos nele. Como sempre acontece, somos nossos piores censores, os maiores inimigos de nossa possibilidade de pensar.

De um lado, o leitor do “feed” não se informa para saber o que aconteceu e decidir o que pensar, ele se informa para fazer grupo, para fazer parte de um consenso. Do outro, o comentarista escreve, sobretudo para ser integrado nesses consensos e para se tornar seu porta-voz. O resultado é uma escrita extrema, em que os escritores competem por leitores tanto mais polarizados que eles conseguiram excluir de seu “jornal” as notícias e as ideias com as quais eles poderiam não concordar: leitores à procura de quem pensa como eles.

Claro, que não é um caso de ignorância completa, mas a internet potencializa a vontade de se perder na opinião do grupo e de não pensar por conta própria. Essa vontade é a mesma que tínhamos no meu tempo de juventude – se não cresceu. O que temos, na verdade, é uma paixão pelo consenso.

Entre consensos opostos, obviamente, não há diálogo nem argumentos, só ódio.

Em suma, provavelmente, o resultado último da informação à la carte (que a internet e o “feed” facilitam) será a polarização e o tribalismo.

Eu mesmo me surpreendo: em geral, acho chatérrimos os profetas do apocalipse, que estão com medo de que o mundo se torne líquido ou coisa que valha. Mas, por uma vez, a contemporaneidade me deixa, digamos, pensativo.

Texto adaptado de: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalli-garis/2016/09/1817706-somos-os-maiores-inimigos-de-nossa-possibili-dade-de-pensar.shtml


A partir da leitura do texto, é correto afirmar que




A) o autor relata como ter criado um perfil no Facebook para a sua cachorra da juventude possibilitou que ele tivesse acesso às mais variadas informações, cuja qualidade se compara a dos textos que ele lia na década de 1970 em jornais como o L’Unità”, o “Corriere della Sera” de Milão, o “Journal de Genève” de Genebra e o “Le Monde” de Paris.

B) o autor argumenta sobre como a seleção de informações no feed de notícias do Facebook pode ser direcionada, a partir dos gostos do dono do perfil, para apresentar apenas textos que corroborem com a opinião previamente estabelecida nesse leitor, assim, essa forma de acesso à informação prejudicaria a diversidade informativa recebida, uma vez que reduz a apresentação dos dados a apenas um ponto de vista, sem imparcialidade.

C) o autor explica como a seleção diária de informações apresentadas pelo feed de notícias do Facebook é eficiente para que o leitor se mantenha informado acerca dos mais variados fatos e como essa seleção proporciona, ao leitor, começar o dia excessivamente feliz antes de proceder com a leitura dos jornais impressos que não apresentam, na atualidade, a riqueza de possibilidade dos links apresentados pelo Facebook.

D) o autor coloca em discussão uma comparação entre o acesso à informação na década de 1970 e o acesso à informação na contemporaneidade. Ele defende como o Facebook se tornou uma ferramenta aliada para as pessoas que têm como hábito antigo a leitura matinal dos jornais impressos. Para o autor, apesar da seleção parcial de informações, o feed de notícias é importante, pois proporciona acesso rápido e sempre atualizado dos fatos.

E) o autor explica como, há um ano, seguindo o conselho de seu filho, fez um perfil no Facebook e passou a ter acesso a informações do mundo todo pelo feed de notícias da rede social. Ele relata como acorda e verifica, imediatamente, os editoriais, as chamadas dos jornais e de seus colunistas preferidos e como, desde então, passou a viver no melhor dos mundos, pois identificou que o posicionamento crítico de toda mídia é imparcial.


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