PortuguêsGêneros textuais
- (FCC 2022)
Ai de ti, Ipanema
Há muitos anos, Rubem Braga começava assim uma de suas mais famosas crônicas: “Ai de ti, Copacabana, porque eu já fiz o
sinal bem claro de que é chegada a véspera de teu dia, e tu não viste; porém minha voz te abalará até as entranhas.” Era uma
exortação bíblica, apocalíptica, profética, ainda que irônica e hiperbólica. “Então quem especulará sobre o metro quadrado de teu
terreno? Pois na verdade não haverá terreno algum.”
Na sua condenação, o Velho Braga antevia os sinais da degradação e da dissolução moral de um bairro prestes a ser tragado
pelo pecado e afogado pelo oceano, sucumbindo em meio às abjeções e ao vício: “E os escuros peixes nadarão nas tuas ruas e a
vasa fétida das marés cobrirá tua face”.
A praia já chamada de “princesinha do mar”, coitada, inofensiva e pura, era então, como Ipanema seria depois, a síntese mítica
do hedonismo carioca, mais do que uma metáfora, uma metonímia.
No fim dos anos 50, Copacabana era o éden não contaminado ainda pelos plenos pecados, eram tempos idílicos e pastorais, a
era da inocência, da bossa nova, dos anos dourados de JK, de Garrincha. Digo eu agora: Ai de ti, Ipanema, que perdeste a inocência
e o sossego, e tomaste o lugar de Copacabana, e não percebeste os sinais que não são mais simbólicos: o emissário submarino se
rompendo, as águas poluídas, as valas negras, as agressões, os assaltos, o medo e a morte.
(Adaptado de: VENTURA, Zuenir. Crônicas de um fim de século . Rio de Janeiro: Objetiva, 1999, p. 166/167)
O gênero da crônicafrequentado tão criativamente por Rubem Braga é um exemplo alto de
A) discurso contemporâneo comunicativo, aberto a formas variadas de interação com os leitores, prenunciando assim o caráter democrático da nova arte de tendência inclusiva.
B) estilo sublime, disposto a exprimir com a devida solenidade as oscilações angustiosas do espírito moderno, marcado pelo artificialismo dos mais típicos hábitos burgueses.
C) modalidade ficcional disposta a se deixar conduzir sobretudo pela paródia e pela ironia que acentuam seu caráter de irredutível crítica dos valores conservadores.
D) texto jornalístico capaz de ir além da pura informação, já que esse autor só se vale dela para ultrapassá-la e atingir a qualidade especulativa dos ensaios sociológicos.
E) prosa moderna carregada ao mesmo tempo de sentimento poético, impulso reflexivo, melancolia e lúcida observação crítica de fatos e personagens da vida real.
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