PortuguêsNoções gerais de compreensão e interpretação de texto (11)
- (VUNESP 2019)
As palavras e as coisas
Confesso que, de início, não acreditava que Moana, aos 9 anos, pudesse se interessar pela leitura da versão integral do clássico de J.R.R. Tolkien, O Hobbit . É verdade que se trata de uma aventura povoada por magos e repleta de objetos encantados. Mas é um romance longo, com descrições densas e vocabulário sofisticado. Para minha surpresa, no entanto, seu envolvimento com a obra crescia a cada noite que a líamos juntos.
Ao terminarmos a leitura do décimo capítulo, Moana não me desejou boa-noite. Com olhos ainda despertos, me perguntou se não podíamos comentar aquilo que mais havia agradado até então. Pensei que o pedido não passasse de mais uma de suas estratégias para adiar a hora de dormir. Recusei, mas ela argumentou: “Não é assim que vocês fazem, você e a mamãe, quando leem Arendt e Paul Ricoeur em seus grupos de estudos?”. Jamais imaginara que, quando a levamos a esses encontros – premidos por alguma necessidade – ela pudesse prestar qualquer atenção ao que se passava. Sempre a via absorta em suas tarefas, desenhos e leituras. Mas, em seu silêncio, ela se dava conta do sentido de uma leitura partilhada.
Falamos, então, das transformações que ocorreram no personagem central, que abandonara sua vida confortável e pacata de hobbit, para se tornar um aventureiro épico. Mas foi só no dia seguinte que percebi a profundidade contida em seu pedido para que partilhássemos as impressões de nossas leituras. Lembrei-me de uma bela passagem de Homens em tempos sombrios , na qual Hannah Arendt afirma que o “mundo não é humano simplesmente por ter sido feito por mãos humanas, nem se torna humano meramente porque a voz humana nele ressoa. Por mais afetados que sejamos pelas coisas do mundo [como um livro], por mais profundamente que elas possam nos instigar e estimular, essas coisas só se tornam humanas para nós quando podemos discuti-las com nossos companheiros”.
É porque a fala humaniza as obras que gostamos tanto de comentar um filme, de compartilhar a interpretação de um livro ou fazer uma refeição com nossos amigos. São as expressões do discurso humano que transformam uma coisa – como um livro – em objeto de um legado simbólico que nos humaniza.
Na escola, é por meio das trocas discursivas entre professores e alunos que um romance ou um programa computacional deixam de ser coisas inertes para se transformarem em objetos que desempenham uma função educativa e, assim, adquirem seu sentido humanizador. São as palavras – e não as coisas – que conferem sentido às experiências humanas.
(José Sérgio Fonseca de Camargo, “As palavras e as coisas”. Em: http://www.revistaeducacao.com.br. Adaptado)
De acordo com o ponto de vista do autor, é correto afirmar que
A) o pai e a filha participavam dos encontros de leitura partilhada com o fim específico de se tornarem leitores críticos e proficientes, perfil que ele logo identificou na filha pelo gosto pela leitura.
B) a observação que Moana fazia dos encontros de leitura compartilhada dos adultos passou despercebida para o pai, o que justifica o fato de ela ter o seu pedido de comentário de leitura negado por ele.
C) a filha tinha um plano para adiar a hora de dormir, valendo-se da referência às leituras partilhadas do pai com outros adultos, plano esse que acabou sendo facilmente identificado por ele.
D) a leitura de O Hobbit foi uma forma encontrada pelo pai para mostrar à filha que as leituras devem ser partilhadas e, mais que isso, é preciso que cada leitor enxergue um sentido próprio do texto.
E) o pedido de Moana surpreendeu o pai que, inicialmente, não soube lidar com a situação, já que para ele o papel das crianças deveria ser diferente do papel dos adultos, sem discussão sobre o que foi lido.
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