PortuguêsInterpretação de textos (3)
- (FCC 2015)
O sino d e ouro
[...] − mas me contaram em Goiás, nessa povoação de poucas almas, as casas são pobres e os homens pobres, e muitos são parados e doentes e indolentes, e mesmo a igreja é pequena, me contaram que ali tem − coisa bela e espantosa − um grande sino de ouro.
Lembrança de antigo esplendor, gesto de gratidão, dádiva ao Senhor de um grã-senhor − nem Chartres, nem Colônia, nem S. Pedro ou Ruão, nenhuma catedral imensa com seus enormes carrilhões tem nada capaz de um som tão lindo e puro como esse sino de ouro, de ouro catado e fundido na própria terra goiana nos tempos de antigamente.
É apenas um sino, mas é de ouro. De tarde seu som vai voando em ondas mansas sobre as matas e os cerrados, e as veredas de buritis, e a melancolia do chapadão, e chega ao distante e deserto carrascal, e avança em ondas mansas sobre os campos imensos, o som do sino de ouro. E a cada um daqueles homens pobres ele dá cada dia sua ração de alegria. Eles sabem que de todos os ruídos e sons que fogem do mundo em procura de Deus − gemidos, gritos, blasfêmias, batuques, sinos, orações, e o murmúrio temeroso e agônico das grandes cidades que esperam a explosão atômica e no seu próprio ventre negro parecem conter o germe de todas as explosões − eles sabem que Deus, com especial delícia e alegria, ouve o som alegre do sino de ouro perdido no fundo do sertão. E então é como se cada homem, o mais pobre, o mais doente e humilde, o mais mesquinho e triste, tivesse dentro da alma um pequeno sino de ouro. [...]
Mas quem me contou foi um homem velho que esteve lá; contou dizendo: “eles têm um sino de ouro e acham que vivem disso, não se importam com mais nada, nem querem mais trabalhar; fazem apenas o essencial para comer e continuar a viver, pois acham maravilhoso ter um sino de ouro”.
O homem velho me contou isso com espanto e desprezo. Mas eu contei a uma criança e nos seus olhos se lia seu pensamento: que a coisa mais bonita do mundo deve ser ouvir um sino de ouro. Com certeza é esta mesma a opinião de Deus, pois ainda que Deus não exista ele só pode ter a mesma opinião de uma criança. Pois cada um de nós quando criança tem dentro da alma seu sino de ouro que depois, por nossa culpa e miséria e pecado e corrução*, vai virando ferro e chumbo, vai virando pedra e terra, e lama e podridão.
*corrução = corrupção (regionalismo)
(Adaptado de: BRAGA, Rubem. Os melhores contos de Rubem Braga. São Paulo: Global, 1999, 10 ed. p. 131-132)
No último parágrafo, identifica-se
A) a conclusão pertinente de todo o desenvolvimento textual, com oposição entre a visão de espanto e desprezo de um homem velho e a ingenuidade e a simplicidade de uma criança, ainda não corrompida pelos desencantos da vida.
B) a introdução de um novo argumento de sustentação da ideia central do texto, ou seja, a de que os seres humanos estarão sempre sujeitos à perda de valores morais e religiosos, principalmente se conseguem alcançar riquezas materiais.
C) uma opinião emitida pelo próprio autor, em que expõe sua dúvida pessoal quanto à real importância atribuída a um objeto de alto valor, como um sino de ouro, desnecessário, entretanto, para uma população tão pobre e desamparada.
D) uma censura ao emprego indevido de bens materiais, simbolizados na utilização do ouro extraído do próprio lugar, onde nada mais existe, a não ser indolência e miséria, para fundir um sino, cujo benefício está apenas na sonoridade, ainda que bela.
E) o desprezo do autor diante da história que lhe foi contada, por considerar o contraste entre a pobreza das pessoas e a quantidade de ouro necessária para a fundição de um sino, sem valor imediato para melhorar as condições de vida na região.
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