PortuguêsNoções gerais de compreensão e interpretação de texto (28)
- (Unilavras 2022)
Pandemia nos faz questionar noção
de individualidade
Verlaine Freitas*
“Quem sou eu em meio ao oceano de pessoas do
país e do mundo?” “O que representam bilhões de
pessoas do planeta para mim, um mero indivíduo?”
Essas perguntas, que nos rondam ocasionalmente
como meras fantasias existenciais – sem respostas e
sem desdobramentos práticos, meros índices das
incertezas quanto ao sentido da existência individual
e coletiva em um mundo cada vez mais individualista,
repentinamente ganharam uma concretude avassaladora.
A pandemia de COVID-19 nos mostra a densidade
urgente, visceral e corpórea do tecido societário,
expondo à luz do dia como falácias inadmissíveis os
discursos baseados no mero esforço próprio, nas
opções individuais, no interesse centrado na maximização do lucro em detrimento do bem-estar coletivo.
[...]
Vivemos atualmente um chamamento à concretude radical da negatividade do mundo, muito além
da experimentada nas figuras dos vilões nos filmes,
nas derrotas esportivas e nas notícias de guerras do
outro lado do mundo.
Ela deverá forjar uma nova consciência do significado dessa vida “em piloto automático”, com este
vaivém constante, seguindo o eterno princípio da
maior vantagem para si. Tal como toda interrupção
do trânsito com objetos de desejo constrange a uma
posição crítica sobre o significado deste vínculo, agora também seremos levados a nos perguntar sobre
esta colonização expansiva do mundo, cuja marcha
inexorável levou a natureza a nos questionar: “Quais
seus limites? Qual a racionalidade social disso tudo?
Quais os custos ambientais e de vidas humanas vocês
estão dispostos a pagar para manter a ilusão de um
individualismo exacerbado?”.
Naturalmente, o aprendizado dessa experiência
negativa será muito diverso, pois alguns grupos sociais lucram com esta crise, outros aferram-se a leituras religiosas fundamentalistas baseando-se no conceito de castigo divino, e alguns tenderão a se fechar
mais ainda em seu mundo, isolando-se de toda e
qualquer responsabilização social.
Espero, porém, que a maior parte da sociedade
tenha uma visão crítica progressista, cobrando de si e
dos outros um comprometimento maior com o bemestar social, percebendo o quanto a vida em sociedade significa, por si, uma dimensão inexpugnável e
inelidível da vida individual no sentido mais próprio
do termo.
O isolamento social a que hoje nos vemos forçados pode ser lido como uma metáfora do quanto a
negligência para com os serviços públicos de saúde
significa o desprezo para com a vida de cada uma e
cada um de nós em termos singulares.
Os filósofos da Escola de Frankfurt, Theodor
Adorno e Max Horkheimer, haviam concebido a destruição avassaladora da Segunda Guerra Mundial
como um retorno violento da natureza recalcada,
reprimida e mutilada. Tal como, segundo a psicanálise, desejos recalcados retornam sob a forma de sofrimento neurótico, todo o complexo natural pareceu
retornar, furioso, nas centenas de bombas despejados sobre as metrópoles.
Agora vemos, mais uma vez, porém de forma menos metafórica, a natureza cobrando um alto preço
pelo esquecimento de que somos seres vivos, aliás
muito frágeis, muito mais fracos que outros, invisíveis
aos nossos olhos, mas muito mais poderosos que nós
humanos, demasiadamente humanos.
*Verlaine Freitas é professor da UFMG e pesquisador
do CNPq
Disponível em:<https://www.em.com.br/app/noticia/cultura/2020/ 03/28/interna_cultura,1133266/pandemia-nos-faz-questionar-nocao-de-individualidade-diz-filosofo-da.shtml> . Acesso em 28 mar. 2020.
Após a leitura do texto, é correto afirmar que o autor
A) explicita a certeza de que, após a pandemia da COVID-19, assistiremos ao surgimento de uma nova humanidade.
B)
argumenta em favor de uma nova realidade, indicando precisamente o papel do ser humano nessa mudança.
C) questiona o comportamento individualista e demonstra esperança na valorização da vida em sociedade.
D) aponta a natureza como a grande responsável pela pandemia da COVID-19.
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