PortuguêsUso dos conectivos (2)
- (CONSULPLAN 2022)
Confusões cronológicas
Rigorosamente, quando o amável leitor e a encantadora
leitora lerem no jornal de hoje que algum fato se dará amanhã,
estarão lendo uma mentira, não importa a veracidade da
notícia. A mentira se encontra na feitura da matéria, porque o
redator a escreve, por exemplo, na quinta, para que ela seja
publicada na sexta. Portanto, para ele é quinta, mas, como o
jornal sai na sexta, escreve “amanhã”, referindo-se ao sábado.
Quando eu escrevo “hoje” aqui, claro que não é o hoje do dia
em que escrevi, mas o hoje de hoje, domingo. Parece, e é
simples, mas, pelo menos no tempo em que não havia escolas
de comunicação e a profissão se aprendia no tapa, sob a orientação nem sempre carinhosa de veteranos, muitos focas – ou
seja, calouros – caíam nessa. Eu mesmo, vergonha mate-me, caí
e acho que o trauma da gozação subsequente nunca foi inteiramente superado. Minha matéria tinha um “realizou-se hoje”,
ou equivalente, mas, para os leitores, seria “realizou-se ontem”.
Outro dia, esteve um técnico aqui em casa, para
resolver uns probleminhas de televisão. Muito simpático, fez
questão de cumprimentar-me com efusão. Pessoalmente,
não era dado à leitura, mas na família dele havia vários fãs
meus, tinha realmente grande prazer em me conhecer, era
uma honra. E aí, com boa vontade e competência, ajeitou
todos os pepinos encontrados. Muito grato, resolvi pegar
dois livros meus que estavam por aqui à toa, para dar de
presente a ele. Ele ficou comovido, pediu dedicatórias para
o pessoal da família. Enquanto eu fazia as dedicatórias, me
perguntou, com admiração:
– O senhor leva mais de um dia para fazer um livro
destes, não é, não?
– Levo, levo – disse eu.
Portanto, concluo que haverá quem pense que, minutos
antes do fechamento da edição, me dirijo a este computador,
encaro o teclado como um pianista virtuose iniciando um
concerto e, em poucos instantes, dedilho um texto prontinho
para ser publicado. Ai de mim, já se disse mais de uma vez que
escritor escreve com dificuldade, quem escreve com facilidade
é orador. Além disso, o fato de eu ser acadêmico me rende uma
fiscalização zelosa e irritadiça. Um dia, em 2012, eu me distraí e
escrevi “asterisco” em vez de “apóstrofo” e até hoje padeço por
isso. Mas, mesmo que não fosse assim e eu fosse o Flash, a triste
situação em que me meteram os fados cruéis não seria resolvida.
O primeiro clichê do jornal de domingo, como sabem os
mais impacientes, começa a chegar às bancas no fim da tarde
do sábado. Ou seja, praticamente tudo já estará pronto, quando
acabar o jogo de ontem. Vejam que frase esquisita acabo de
escrever: quando acabar o jogo de ontem, estranhíssima
contradição em termos, pois é óbvio que o jogo de ontem só
pode ter acabado, tudo de ontem já acabou. [...]
(RIBEIRO, João Ubaldo. Confusões cronológicas. O Estado de S. Paulo,
São Paulo, ano 135, nº 44.084, 29/jun. 2014. Caderno 2, p. C4.)
Identifica-se, correta e respectivamente, as relações lógico-discursivas destacadas em:
A) “ Ou seja , praticamente tudo já estará pronto, quando acabar o jogo de ontem .” (6º§) (explicação e comparação.)
B) “ Outro dia , esteve um técnico aqui em casa, para resolver uns probleminhas de televisão .” (2º§) (consequência e finalidade.)
C) “ Portanto , para ele é quinta, mas , como o jornal sai na sexta, escreve ‘amanhã’, referindo-se ao sábado. ” (1º§) (conclusão e oposição.)
D) “ Quando escrevo ‘hoje’ aqui, claro que não é o hoje do dia em que escrevei, mas o hoje de hoje, domingo .” (1º§) (temporalidade e adição.)
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