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EXERCÍCIOS - Exercício 5

  • (CONSULPAM 2019)

Texto 1

Conceição atravessava muito depressa o Campo de Concentração.

Às vezes uma voz atalhava:

— Dona, uma esmolinha...

Ela tirava um níquel da bolsa e passava adiante, em passo ligeiro, fugindo da promiscuidade e do mau cheiro do acampamento.

Que custo, atravessar aquele atravancamento de gente imunda, de latas velhas, e trapos sujos!

Mas uma voz a fez parar.

– Doninha, dona Conceição, não me conhece?

Era uma mulata de saia preta e cabeção encardido, que, ao ver a moça, parara de abanar o fogo numa trempe, e a olhava rindo.

Conceição forçou a memória.

– Sim... Ah! É a Chiquinha Boa! Por aqui? Mas você não era moradora de seu Vicente? Saiu de lá?

A mulher inclinou a cabeça para o ombro, coçou a nuca:

– A gente viúva... Sem homem que me sustentasse... Diziam que aqui o governo andava dando comida aos pobres... Vim experimentar...

Já Conceição, esquecendo a pressa, sentarase num tronco de cajueiro, interessada por aquela criatura que chegava do sertão:

– E tudo por lá? Bem?

– Vai, sim senhora. Seu Major, dona Idalina e as moças foram pro Quixadá. Só ficou o seu Vicente...

Conceição espantou-se:

– E eu não sabia! Também faz dias que a Lourdinha não me escreve! Então o Vicente está sozinho? Por quê, coitado?

– Ora, as moças pegaram a falar que não aguentavam mais... Seu Vicente também achava ali muito ruim para a família... Sem banho, mandando buscar água a mais de légua de distância... Ele mesmo só ficou porque carecia dele lá, mode o gado. Mas toda semana vai no Quixadá...

A moça comoveu-se com esse isolamento:

— Imagino como a vida do pobre não é triste!

A mulher riu-se.

– Qual nada! Seu Vicente é pessoa muito divertida... É naquela labuta, mas sempre tirando prosa com um, com outro... É um moço muito sem bondade... Dizedor de prosa como ele só!...

Conceição deixava-a falar, e a Chiquinha continuou, num riso malicioso:

– E até aquela filha do Zé Bernardo, só porque sempre ele passa lá e diz alguma palavrinha a ela, anda toda ancha, se fazendo de boa...

Conceição estranhou a história e não pôde se conter:

– E ele tem alguma coisa com ela?

A mulata encolheu os ombros:

– O povo ignora muito... se tiver, pior pra ela... Que moço branco não é pra bico de cabra que nem nós...

A conversa principiou a incomodar Conceição; o mau cheiro do campo parecia mais intenso; e levantou-se, dando uma prata à mulher:

– Amanhã eu volto e vejo como vocês vão... Todos os dias venho aqui, ajudar na entrega dos socorros... Se você tiver muita precisão de alguma coisa, me peça, que eu faço o que puder...

Quando transpôs o portão do Campo, e se encostou a um poste, respirou mais aliviada. Mas, mesmo de fora, que mau cheiro se sentia!

Através da cerca de arame, apareciam-lhe os ranchos disseminados ao acaso. Até a miséria tem fantasia e criara ali os gêneros de habitação mais bizarros

Uns, debaixo dum cajueiro, estirados no chão, quase nus, conversavam.

Outros absolutamente ao tempo, apenas com a vaga proteção de uma parede de latas velhas, rodeavam um tocador de viola, um cego, que cantava numa melopeia cansada e triste:

Ninguém sabe o que padece

Quem sua vista não tem!...

Não poder nunca enxergar

Os olhos de quem quer bem!...

E junto deles, uma cabocla nova atiçava um fogo.

Uma velha, mais longe, sentada nuns tijolos, fazia com que uma caboclinha muito magra e esmolambada lhe catasse os cabelos encerados de sujeira.

E, além, uma família de Cariri velava um defunto, duro e seco, apenas recoberto por farrapos de cor indecisa.

Conceição sabia quem ele era. Tinha morrido ao meio-dia, e a sua gente teimava em não o misturar com os outros mortos.

O bonde chegou.

Ainda sob a impressão da conversa com a Chiquinha Boa, a moça pensava em Vicente. E novamente sofreu o sentimento de desilusão e despeito que a magoara quando a mulher falava.

“Sim, senhor! Vivia de prosear com as caboclas e até falavam muito dele com a Zefa do Zé Bernardo!”

E ela, que o supunha indiferente e distante, e imaginava que, aos olhos dele, todo o resto das mulheres deste mundo se esbatia numa massa confusa e indesejada...

Que julgara ter sido ela quem lhe acordara o interesse arisco e desdenhoso do coração!...

“Uma cabra, uma cunhã à toa, de cabelo pixaim e dente podre!...”

(QUEIROZ. R. O quinze . Rio de Janeiro: José Olympio, 2012)


Quanto ao que afirmam os Parâmetros Curriculares Nacionais acerca do ensino de Literatura, é CORRETO afirmar somente que:


A) Os gêneros literários devem ter prioridade sobre os gêneros primários em razão de sua capacidade de elevar o espírito do leitor.

B) O ensino deve estar voltado a fazer perceber que o texto literário exige uma atitude do leitor diversa daquela exigida por outros textos.

C) A escola deve priorizar a leitura dos textos literários obedecendo a uma cronologia histórica, de modo que o aluno acompanhe sua evolução.

D) O texto literário deve ser usado como ferramenta para o desenvolvimento de competências como higiene, consciência política e tolerância.


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