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EXERCÍCIOS - Exercício 244

  • (MS CONCURSOS 2009)

A "NÃO­ME­TOQUES" !
Artur Azevedo
I
Passavam­se  os  anos,  e Antonieta  ia  ficando para  tia,  ­  não  que  lhe  faltassem  candidatos,
mas  ­  infeliz  moça!  ­  naquela  capital  de  província  não  havia  um  homem,  um  só,  que  ela
considerasse digno de ser seu marido. Ao Comendador Costa começavam a inquietar seriamente as
exigências  da  filha,  que  repelira,  já,  com desdenhosos muxoxos,  uma  boa  dúzia  de  pretendentes
cobiçados pelas principais donzelas da cidade. Nenhuma destas se casou com rapaz que não fosse
primeiramente enjeitado pela altiva Antonieta.
­- Que  diabo!  dizia  o  comendador  à  sua mulher, D. Guilhermina,  ­  estou  vendo  que  será
preciso encomendar­lhe um príncipe!
­-  Ou  então,  acrescentava  D.  Guilhermina,  esperar  que  algum  estrangeiro  ilustre,  de
passagem nesta cidade..
­- Está você bem aviada! Em quarenta anos que aqui estou, só dois estrangeiros  ilustres cá
têm vindo: o Agassiz e o Herman.
Entretanto,  eram  os  pais  os  culpados  daquele  orgulho  indomável.  Suficientemente  ricos
tinham dado à  filha uma educação de  fidalga, habituando­a desde pequenina  a ver  imediatamente
satisfeitos os seus mais custosos e extravagantes caprichos.
Bonita, rica, elegante, vestindo­se pelo último figurino, falando correntemente o francês e o
inglês,  tocando muito  bem  o  piano,  cantando  que  nem  uma  prima­dona,  tinha Antonieta  razões
sobejas para se julgar um avis rara na sociedade em que vivia, e não encontrar em nenhuma classe
homem que merecesse a honra insigne de acompanhá­la ao altar.
Uma grande viagem à Europa, empreendida pelo comendador em companhia da esposa e da
filha,  completara  a  obra.  Ter  estado  em  Paris  constituía,  naquela  boa  terra,  um  título  de
superioridade.
Ao  cabo  de  algum  tempo,  ninguém  mais  se  atrevia  a  erguer  os  olhos  para  a  filha  do
Comendador Costa, contra a qual se estabeleceu pouco a pouco certa corrente de animadversão.
Começaram todos a notar­lhe defeitos parecidos com os das uvas de La Fontaine, e, como a
qualquer indivíduo, macho ou fêmea, que estivesse em tal ou qual evidência, era difícil escapar ali a
uma alcunha, em breve Antonieta se tornou conhecida pela "Não­me­toques".
II
Teria  sido  realmente  amada? Não, mas  apenas  desejada,  ­  tanto  assim  que  todos  os  seus
namorados se esqueceram dela...
Todos, menos  o mais  discreto,  o mais  humilde,  o  único  talvez,  que  jamais  se  atrevera  a
revelar os seus sentimentos.
Chamava­se  José  Fernandes,  e  era  o  primeiro  empregado  da  casa  do Comendador Costa,
onde entrara aos dez anos de idade, no mesmo dia em que chegara de Portugal.
Por  esse  tempo  veio  ao mundo Antonieta.  Ele  vira­a  nascer,  crescer,  instruir­se,  fazer­se
altiva e bela. Quantas vezes a trouxera ao colo, quantas vezes a acalentara nos braços ou a embalara
no berço! E, alguns anos depois, era ainda ele quem todas as manhãs a  levava e  todas as tardes ia
buscá­la no colégio.
Quando Antonieta chegou aos quinze anos e ele aos vinte e cinco, "Seu José" (era assim que
lhe  chamavam)  notou que  a  sua  afeição por  aquela menina se  transformava,  tomando um  caráter
estranho e indefinível; mas calou­se, e começou de então por diante a viver do seu sonho e do seu
tormento.  Mais  tarde,  todas  as  vezes  que  aparecia  um  novo  pretendente  à  mão  da  moça,  ele
assustava­se, tremia, tinha acessos de ciúmes, que lhe causavam febre, mas o pretendente era, como
todos os outros, repelido, e ele exultava na solidão e no silêncio do seu platonismo.
Materialmente, Seu José sacrificara­se pelo seu amor. Era ele, como se costuma dizer (não
sei com que propriedade) o "tombo" da casa comercial do Comendador Costa; entretanto, depois de
tantos anos de dedicação e amizade, a sua situação era ainda a de um simples empregado; o patrão,
ingrato e egoísta, pagava­lhe em consideração e elogios o que  lhe devia em  fortuna. Mais de uma
vez apareceram a Seu José ocasiões de trocar aquele emprego por uma situação mais vantajosa; ele,
porém, não tinha ânimo de deixar a casa onde ao seu lado Antonieta nascera e crescera.
III
Um dia, tudo mudou de repente.
Sem  dar  ouvidos  a  Seu  José,  que  lhe  aconselhava  o  contrário,  o  Comendador  Costa
empenhou a sua casa numa grande especulação, cujos efeitos foram desastrosos, e, para não fechar
a porta, viu­se obrigado a fazer uma concordata com os credores. Foi este o primeiro golpe atirado
pelo destino contra a altivez da "Não­me­toques".
A casa  ia de novo se  levantando, e  já estava quase  livre dos seus compromissos de honra,
quando  o Comendador Costa,  adoecendo  gravemente,  faleceu, deixando  a  família  numa  situação
embaraçosa.
Um  verdadeiro  deus ex machinaapareceu  então  na  figura  de  Seu  José  que,  reunindo  as
suadas  economias  que  ajuntara  durante  trinta  anos,  e  associando­se  a D. Guilhermina,  fundou  a
firma Viúva Costa & Fernandes, e salvou de uma ruína iminente a casa do seu finado patrão.
IV
O estabelecimento prosperava a olhos vistos e era apontado como uma prova eloqüente de
quanto  podem  a  inteligência,  a  boa  fé  e  a  força  de  vontade,  quando  o  falecimento  da  viúva D.
Guilhermina veio colocar a  filha numa situação difícil... Sozinha, sem pai nem mãe, nem amigos,
aos trinta e dois anos de idade, sempre bela e arrogante em que pesasse a todos os seus dissabores,
aonde  iria  a  "Não­me­toques"? Antonieta  foi  a  primeira  a  pensar  que o  seu  casamento  com  José
Fernandes era um ato que as circunstâncias impunham... [...]
Começou  então  uma  nova  existência  para  Antonieta,  que,  não  obstante  aproximar­se  da
medonha casa dos quarenta, era sempre formosa, com o seu porte de rainha e o seu colo opulento,
de  uma  brandura  de  cisne.  As  suas  salas,  profundamente  iluminadas,  abriam­se  quase  todas  as
noites para grandes e pequenas recepções: eram  festas sobre festas. Agora  já  lhe não chamavam a
"Não­me­toques";  ela  tornara­se  acessível,  amável,  insinuante,  com  um  sorriso  sempre  novo  e
espontâneo  para  cada  visita. Fizeram­lhe  a  corte,  e  ela,  outrora  impassível  diante  dos  galanteios,
escutava­os  agora  com  prazer.  Um  galã,  mais  atrevido  que  os  outros,  aproveitou  o  momento
psicológico e conseguiu uma entrevista ­ Esse primeiro amante foi prontamente substituído. Seguiu­
se outro, mais outro, seguiram­se muitos...
VII
E quando Seu José, desesperado, fez saltar os miolos com uma bala, deixou esta frase escrita num
pedaço de papel:
"Enquanto  foi  solteira,  achava minha mulher  que  nenhum  homem  era  digno  de  ser  seu marido;
depois de casada (por conveniência) achou que todos eles eram dignos de ser seus amantes. Mato­
me”.
Cor reio da Manhã, 12 de outubro de 1902.
http://www.dominiopublico.gov.br /download/texto/bi000050.pdf


Observe o trecho: “Que diabo! Dizia o comendador  à sua mulher”. Em r elação ao acento  grave –indicativo de crase – utilizado, pode-­se afirmar  que é:


A) Empregado incorretamente, pois não ocorre crase antes de pronome.

B) Facultativo, pois ocorre antes de pronome possessivo.

C) Empregado corretamente, pois está diante de uma palavra feminina.

D) Obrigatório, pois está anteposto a um pronome possessivo.


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