PortuguêsConjunções: relação de causa e consequência
- (COMPERVE 2012)
Voo solo
O inferno são os outros! A conhecida frase de Jean-Paul Sartre agora dá sentido a um
fenômeno de massa. Se o inferno são os outros, então nossos contemporâneos parecem estar
se movimentando para fugir das catacumbas sulfurosas. Segundo Eric Klinenberg, professor de
Sociologia da Universidade de Nova York e autor do livro Going Solo: The extraordinary rise
and surprising appeal of living alone (editora Penguin), cada vez mais pessoas optam por viver
sozinhas.
O autor carrega nas tintas, embalado por um mercado editorial viciado em títulos de impacto,
argumentos surpreendentes e fatos irrefutáveis, mas o livro tem méritos. Segundo Klinenberg,
estamos presenciando uma inflexão histórica. Cultivamos, durante milênios, uma repulsa
existencial e filosófica à solidão. “O homem que vive isolado, que é incapaz de partilhar os
benefícios da associação política ou não precisa partilhar porque já é autossuficiente, não faz
parte da pólis, e deve, portanto, ser ou uma besta ou um deus”, escreveu Aristóteles ( apud Klinenberg).
As sociedades humanas se estruturaram em torno do desejo fundamental de os indivíduos
viverem na companhia uns dos outros. O isolamento é frequentemente associado à punição.
Uma criança mal comportada é separada de seus pares e colocada sozinha. Um prisioneiro
malcomportado é trancafiado na solitária.
Entretanto, segundo Klinenberg, tudo isso está mudando. Nas últimas décadas, houve um
aumento expressivo do número de homens e mulheres que passaram a viver voluntariamente
sozinhos. O fenômeno é consequência do desenvolvimento econômico, que permite maior
autonomia; da superação da lógica econômica do casamento, que dá maior liberdade às
pessoas para buscar arranjos alternativos; da urbanização, que adensa as comunidades
humanas; e da evolução das tecnologias de informação e de comunicação, que facilitam a
interação entre as pessoas. Resultado: estamos casando mais tarde, prolongando o período
entre o divórcio e o novo casamento, ou evitando um novo casamento, e escapando o quanto
possível da possibilidade de viver com outra pessoa. É o novo solteirismo!
Nas grandes cidades norte-americanas, 40% das moradias têm um único ocupante. Em
Washington e Manhattan, casos extremos, são 50%. E o fenômeno não se restringe aos
Estados Unidos. Paris apresenta números superiores a 50% e, em Estocolmo, a taxa chega a
60%. China, Índia e Brasil, países em desenvolvimento, caminham no mesmo sentido.
Viver sozinho deixou de ser fonte de medo e causa de isolamento social. As vantagens são
notáveis: controle sobre a própria vida, liberdade de ação e melhores condições para perseguir
atividades voltadas para a autorrealização. No imaginário social, vai surgindo um novo modelo
ideal: o neossolteiro, um ou uma profissional de sucesso, socialmente atuante e mestre de sua
existência.
O fenômeno do novo solteirismo relaciona-se a outro fenômeno, maior, de enfraquecimento dos
vínculos e das relações, que se manifesta na vida social e na vida profissional. Richard Sennet
registrou a tendência no livro A Corrosão do Caráter (editora Record), no fim da década de
1990. De fato, o comprometimento dos indivíduos com instituições e organizações vem se
fragilizando há algumas décadas. Hoje, transitamos por inúmeros grupos, empresas e
comunidades, porém estabelecemos relacionamentos apenas tênues e temporários.
Nas empresas, depois de seguidas ondas de reestruturações, enxugamentos e terceirizações,
os empregos “para toda a vida” estão quase extintos. Paradoxalmente, empresários e
executivos continuam esperando alto grau de envolvimento e comprometimento de seus
funcionários, e frustram-se quando não os conseguem. Com a ajuda de asseclas de recursos
humanos, tentam tapar o sol com a peneira, programando palestras motivacionais, abraçando
árvores e promovendo interlúdios culturais. Pouco adianta.
As novas gerações representam para as empresas um considerável desafio: os mais jovens
são individualistas, inquietos e despudoradamente ambiciosos. Saltam de galho em galho
corporativo sem olhar para trás. Habitam redes fluidas, sejam elas comunidades reais ou
virtuais. São impacientes com o presente e ansiosos pelo futuro.
Neste admirável mundo novo, perde espaço o que é estável e profundo, ganha espaço o que é
efêmero e superficial. Afirmam os profetas do mundo plano que terão vantagens os mais
dinâmicos, os mais extrovertidos, aqueles com mais iniciativa e sem medo de errar, aqueles
capazes de usar diligentemente seu capital social em prol da própria marca. E os incomodados
que se mudem… de planeta?
Fonte: cartacapital, 11 de abril de 2012.
O uso da palavra “entretanto”, no primeiro período do quarto parágrafo, expressa uma relação
A) conclusiva com as informações do período posterior.
B) adversativa com as informações do período posterior.
C) conclusiva com as informações do parágrafo anterior.
D) adversativa com as informações do parágrafo anterior.
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